╡CAPÍTULO QUATRO╞ AFINAL, QUEM VOCÊ PENSA QUE É?



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GUSTAVO II JÁ TINHA quinze anos. Tanto tempo se passara desde que descobriram que ele não era Emily, que Victorio achou que a rocha dos reis estava mentindo, começando a delirar de tão velha e empoeirada, guardada junto às antiguidades mágicas do castelo do Elfo, pois essas coisas podem acontecer com artefatos mágicos, eles simplesmente deliram como se fossem um mago muito velho que sabe tanto, tanto, que mal consegue dizer aquilo que sabe e todos acabam por chamar o coitado de louco.
Logo após aquele momento em que a parteira vira a surpresinha em Emily (isto é, naquele bebê), Gustavo ficara enaltecido, dissera que tudo era culpa da parteira, pois tinha que nascer uma garotinha dali, e ela se chamaria Emily e seria a Rainha das Rainhas, sua filha. Mas não. Nada disso se sucedeu. Então, deram o nome para o garoto o nome do pai, mas Júnior não seria um nome para alguém da realeza, então chamaram o príncipe de Gustavo II.
Você pode imaginar o reboliço total pela cidade, pois todos os boatos afirmavam que das entranhas de Ventura, nasceria uma garotinha. Naquele dia, a notícia correu tão rápido, que enquanto você lia o que aconteceu, ela se espalhou por todo o território, até onde os olhos alcançavam a partir da torre da catedral e mais adiante, em um minuto.
O fazendeiro colhendo milho fresco da espiga lá pelo norte já sabia da notícia. Pelo noroeste – apesar de não ser mais Lubrín -, os bruxos escrevendo em pergaminhos logo já souberam.
- Eu disse, não disse? – falou um velho deixando pingar tinta preta de sua pena na mesa. A barba branca rala no queixo, o cocuruto calvo e cheio de pintas salientes. – Eles não sabem de nada.
Victorio ficara sabendo da notícia e logo foi em vão em busca de uma resposta da rocha, recitara encantamentos, mas ela permaneceu ali, cinzenta, como, como uma TV fora da tomada, sem qualquer resposta. Álvaro, O Baixo – que você ainda não sabe o suficiente para ter noção do tipo de figura que essa pessoa é, mas que logo tem participação vital nessa história – fora em busca de pesquisas pelos horizontes, procurando alguma resposta, pois, afinal de contas, ele teria que pintá-la no melhor quadro, seria sua melhor obra algum dia. Tinha certeza disso.

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CÉUS, HÁ TANTO para se contar que fico perdido diante dos fatos. Gustavo II já com quinze anos e nem sequer falei dele, você apenas conhece o nome do sujeito e mal sabe a cor de seus olhos. As coisas aconteceram tão depressa que mal sobrou tempo. Sem falar que ainda temos que procurar Emily – se é que ela existe – e para isso, o rei, isto é, Gustavo I, teve uma idéia mirabolante, um tanto egoísta, que como você viu, preocupou Ventura – e devia mesmo preocupá-la se soubesse no que isso acarretou mais tarde, o que é claro, a pobre coitada não tinha noção que aconteceria. Mas por ora, vamos deixar de lado isso tudo – mas, por favor, não esquecer -, para que eu possa apresentá-lo finalmente, o filho de Ventura e Gustavo I, Gustavo II, o mais novo príncipe.
Quando nascera, depois de perder o rosto de joelho que os recém nascidos têm (nem mesmo os príncipes se safam dessa), Gustavo II foi adquirindo traços do pai, que insistia em dizer que havia os traços do avô, o que não mudava tanto, pois Gustavo I era o Rei da Lubrín de Sinos escrito. Todavia, conforme os anos se passaram, ele foi adquirindo os traços de Ventura. Não que ele tivesse traços femininos, mas aquela segurança nos olhos foi surgindo, a mesma que ela usava para ler através dos globos oculares, se desenvolvendo conforme os anos se passavam. Os cabelos eram de seu pai, castanhos. A boca, olhos, orelhas, nariz, queixo, eram todos de Ventura, ou ao menos era o que a maioria falava.
Quando completou três anos de idade, Gustavo II já fora posto da na escola. Em um ano aprendeu a juntar vogais com consoantes e formar palavras pequenas, de fácil distinção, R-E-I, M-E-L, P-A-I, era bastante inteligente, fazia somas altas, 10+10, 10+5, 15+3, e gostava de brincar no piano de miniatura.
Conforme foi crescendo, foi mostrando grande habilidade com história, tinha uma memória fantástica: Ano de 325, depois da crise econômica, os bruxos se afastaram para a região noroeste; A batalha entre os dois heróis no palácio real decidiu se o mago iria ou não para  forca acusado de bruxaria, os julgamentos eram através de batalhas; Rei da Lubrín de Sinos, morto por saqueadores enquanto se aventurava pelos arredores da região do castelo, ainda não se há notícias de quem o teria matado ou o porquê, O Rei não tinha inimigos.
Já com doze anos, com uma beleza admirável, era bom em identificar magia, artefatos mágicos, lia e falava um pouco da linguagem de Victório o elfo, lecionada por Sid, que ainda mantinha a mesma cautela que tivera quando teve de ensinar seu pai, Gustavo I, sobre a cobrança de impostos, história, geografia, magia e alguns conhecimentos da natureza, como a previsão do tempo épocas de alta safra.
Porém, agora com quinze anos, estudava assiduamente, mostrando-se grande competente com o reinado, inclusive fazendo aulas de campo e reformando leis e normas – junto a Sid, é claro - as quais, para ele, não havia sentido para que existissem e prolongassem por mais uma geração.
Nesse exato instante, três da tarde, com o sol ardendo no fim de seu ápice pela janela da sala de aula, que ficava na terceira-sul, o príncipe estava na aula de idioma, a qual estava um tédio, a mão no queixo, a bochecha fechando o olho, pois tinha de ouvir o professor recitar textos longos com uma voz amargurada. Logo, a porta abriu-se e o rei pôs a cabeça para dentro da sala pedindo licença para Gustavo poder ir embora.
- Sobre o que quer falar comigo, pai? – perguntou ele pela quinta vez, montado no cavalo a frente de seu pai, que conduzia o animal.
- Quando chegarmos eu te digo, filho, não insista. Se eu disser aqui, alguém poderá ouvir antes da hora e não quero problemas- respondeu ele com uma voz soturna, que Gustavo II não compreendera.
Eles passaram pelos portões do Castelo de Vinho e seguiram pela trilha de entrada – aquela que apresentei para você logo no início. Eles desceram ali, e Dário já de prontidão fora cuidar do cavalo.
- Obrigado, Dário.
- Às suas ordens, meu rei.
Os dois Gustavos entraram no castelo e subiram as escadas. O Gustavo pai, mantinha o rosto severo, o que fazia com que o filho buscasse na memória qualquer coisa que teria aprontado com o Bobo na noite anterior antes de dormir, tirando a bomba de cola mágica que eles trocaram pelo xampu do cozinheiro, que se apertava o esguicho e voava cola para todos os lados, mas ele sabia que o cozinheiro sabia o feitiço para desfazer o truque. Então, se não fora a bomba de cola, o que seu pai gostaria tanto de lhe dizer, conduzindo-o até a sala do trono? A dúvida o deixava apreensivo.
Eles chegaram na sala do trono, então Gustavo I pediu para que seu filho ficasse em pé a frente do trono, enquanto ele sentava-se, pegando o cetro. No que vislumbrou seu filho, Gustavo foi surpreendido por uma súbita emoção, que desmanchou qualquer severidade que houvesse em sua face. Ele fitou seu filho, ali em pé, com quinze anos, de traje de estudante, alto como O Rei de Sinos, seu pai, de feições tão descritivas. Viu-se diante de si mesmo, na mesma época em que recebera a notícia que seu pai houvera sido assassinado. Seus olhos começaram a lacrimejar, e ele não agüentou e desatara num choro calmo, sem muitos soluços, tampando os olhos com a mão direita, segurando seu cetro dourado com uma uva na ponta, com a outra mão, lembrando-se daquele dia, o rosto tão inocente quanto ao de seu filho. Agora notava como eram muito parecidos, e que aquelas feições de nada tinham a ver com Ventura, era ele diante de um espelho, era ele parado lá naquele mesmo lugar, diante de Sid, quando recebera a trágica notícia.
 A emoção súbita fora dissipando-se, e as lágrimas cessando, voltando a circunstância atual, e notando novamente que as feições de Gustavo II, seu filho, eram mesmo parecidas com da rainha, esquecendo por um instante tudo o que acontecera em sua difícil infância, na mesma idade de seu filho.
- Papai...? Está tudo bem? Quer que eu chame alguém?
- Está tudo bem, meu filho, está tudo bem. Foi só... Uma coisa que me pegou de surpresa, está tudo bem... – dissera seu pai limpando as lágrimas com as mangas compridas – fizera uma pausa, a qual pôde-se ouvir os animais do zoológico do lado de fora, emitindo seus sons. – Agora, tenho que te contar uma coisa – dissera ele finalmente.
Então, Gustavo I, contara todo o reboliço causado pela Rocha dos Reis, prevista por Victório, e de como era esperado que Gustavo II nascesse uma garota, Emily, a Rainha Verdadeira, e de como a pedra nunca mentira antes.
- Mas é claro que nunca beijei ninguém na boca, pai!- exclamara o príncipe depois da pergunta de Gustavo I. – Sei bem das leis de herança do trono, posso recitá-las por ordem cronológica, alfabética ou numérica se quiser. Jamais comprometeria o trono antes do tempo beijando alguma garota na boca, sei que isso sela a princesa do trono na próxima geração. Mas... por que a pergunta?
- Pois temos que achar A Rainha Verdadeira, para que a promessa se cumpra. Você terá ao seu lado a fantástica Emily, a Rainha Verdadeira da Lubrín do Castelo de Vinho, a Raínha de Lubrín!
Ao contrário do esperado, Gustavo II não sentiu-se infeliz de que teria uma moça o acompanhando, não sentira o peso da responsabilidade que Ventura, muito preocupada, achara que iria sentir. Parecia que a profecia estava MESMO se cumprindo, e que era o destino de Gustavo II encontrar Emily, a Rainha Verdadeira, a Rainha de Lubrín.
- Mas, pai, como iremos achá-la?
Seu pai abrira um sorriso e lhe contou como.

4

PASSANDO PELAS RUAS da primeira-leste, um sujeito tão jovem quanto Gustavo II, louro, com sapatos gastos, levava cartas de casa em casa, já estava com o nariz vermelho de tanto andar ao sol, havia uma boina em sua cabeça de aba curta, as mãos pretas de tanto abrir e fechar caixas de correio deixava marcas de seus dedos nas cartas, sem falar o peso nas costas de tanto papel para carregar. A sorte desse garoto, é que nesse momento, passava um grupo de amigos pela rua, seis deles.
- Hei, pessoal! – dissera tirando a alça da bolsa do ombro e a colocando no chão. – Querem me ajudar? Tenho um monte de cartas para levar para lá e para cá. Aparentemente uma em cada casa de Lubrín, já é onze e meia, e estou exausto de tanto andar. E mal cheguei na metade.
- Ah, acho que num dá, Fred! A gente vai jogar queimada na minha casa e...
- Eu divido todo o dinheiro com vocês – implorara ele abrindo um sorriso. – E olhe que são muitas peças, muitas mesmo. Estão me pagando dez vezes o normal para levar tudo isso.
Os garotos trocaram olhares, Fred abriu ainda mais seu sorriso, erguendo a sobrancelha.
- Me dá essas cartas aí – disse um dos garotos, e os outros o acompanhou.
 Todas as casas dentro dos limites de Lubrín receberam as cartas. No fim do dia, os garotos estavam mais que exaustos, mas cheios de moedas em sacos de pano, sacos realmente recheados. Uma recompensa pelo dia de trabalho.
- Olhem só isso. Estamos ricos! Acho que vou comprar uma espada com esse dinheiro!
- Não seja tonto, a gente não pode comprar uma espada, é só para os mais velhos.
- E quem disse que vou comprar agora, idiota, vou guardar o dinheiro até lá, né?
- Eu duvido que você consiga, vai encher a pança de tanto sorvete que vai explodir.
- Eu não sou você!
- Ah... – fizera uma grande pausa. - Seu panaca – completou ele dando um murrinho no braço de seu amigo, e todos riram, sentados na calçada, o crepúsculo tingindo o mundo de vermelho, as primeiras estrelas surgindo, iluminando a gloriosa Lubrín.
Anos mais tarde, mas ainda lá no passado, houve uma história – que não se conta aqui- heróica sobre esses garotos. Todos eles fizeram um pacto de que na verdade nenhum deles gastaria o dinheiro e comprariam suas espadas, o que era uma idéia, em suas mentes, para apenas brincar, mas aconteceu que com o equipamento, eles resolveram viajar juntos para além dos arredores de Lubrín, muito além de onde a Torre da Catedral poderia ser cogitada e muito além mesmo, inclusive. Aventuraram-se pelas colinas e salvaram pessoas de perigos e de criaturas que jamais acharam que veriam fora das histórias dos livros e que duvidavam que existissem. Mas isso é o máximo que posso contar por aqui, se não deixamos Lubrín de lado e há ainda muito que contar.
Não tão rápido quanto os rumores, mas rápido o bastante para chegar ao ouvido de todas as pessoas, todo mundo soube que haveria uma grande festa no Palácio de Vinho do castelo, mas como Gustavo I queria, ninguém soubera exatamente o motivo da festa, exceto os que já sabiam da profecia, o que incluía o príncipe, Victório, Álvaro o Baixo – essa curiosa pessoa, que não pôde comparecer à festa -, Ventura, o Bobo e Sid. 
Então, as pessoas que tinham desconfianças começaram a elaborar os próprios motivos para que houvesse tão grande festa, mas nenhum deles sequer chegou perto.
É claro, como eu disse, que pessoas dentro dos limites da região, também receberam cartas – Gustavo I estava realmente disposto que todos presenciassem aquele momento histórico, que no fundo, fazia mais em nome de seu pai, O Rei de Sinos, do que para si mesmo. Assim, como até mesmo pessoas de fora de Lubrín souberam, os bruxos, é claro, não ficaram desinformados. Na verdade, com ou sem cartas, eles estariam informados sobre as coisas que aconteciam naquela cidade.
- Então eles darão uma festa? – pensou Helena consigo mesma, que estava vestindo-se para ir dormir, havia acabado de sair do banho e seus cabelos estavam molhados, a carta estava aberta em cima de sua penteadeira. – Aposto que há alguma coisa por trás disso, mas o que?
E seus pensamentos não pararam por aí. Lembrou-se ela que Gustavo II, o príncipe, estaria na festa, e sua mente já começou a titubear. Helena era muito esperta, astuta, seria o conceito certo para o tipo de personalidade dela, lera milhares de livros ao longo de sua vida, o que a tornou muito inteligente e capaz de artimanhas inimagináveis com suas feitiçarias, era uma pena que seu coração fosse tão duro, creio eu, como lubrino, que isso está no sangue dos bruxos, esse aspecto de querer o bem para si próprio, e fazer o que puder para obter as coisas, sem se preocupar com os outros... De repente, um nome veio até sua cabeça:
- Romera... – sussurrara ela para o espelho, e esboçou um rosto de triunfo.

***

Na véspera da festa o movimento era terrível pelas vias, ruas, becos, lojas de roupas, flores, jóias e praças da cidade. Estavam todos pelo menos três horas adiantados, vestidos, bem ornamentados. Mas uma coisa que não podia faltar para Romera, pensou Helena, era sua beleza. E tão logo já providenciara para que ela fosse a garota mais atraente de todas, para, quem sabe, conseguir chamar a atenção do herdeiro do trono na festa... Se ela conseguisse que ao menos Romera fosse notada...
Romera... Este é um nome que se sua memória não falha, você já ouviu aqui nesta mesma história há anos atrás (se me permite engrenar sua cabeça inteligente), no dia o qual os bruxos reuniram-se no salão junto a Sid e Gustavo I, para negociar o feitiço das uvas. Depois de todos esses anos, Romera já se tornara moça, ia fazer dezessete anos de idade e era linda, alta para uma garota de sua idade, cabelos negros que iam até depois da cintura, lisos, de um brilhante prateado, magra, com cintura marcada e de um rosto maravilhoso, moldado, cujos olhos eram grandes, mas não exageradamente, é claro, e tinha uma pele bronzeada.
Neste momento, antes da festa, cobrindo-lhe o rosto, havia um véu transparente, e seu vestido preto, combinando com seus cabelos e maquiagem, e suas mangas longas que eram inteiras de renda, com flores desenhadas e por falar nisso, em seu chapéu, do qual caia o véu, havia uma rosa de um vermelho-rubi, porém fosco. Usava sapatos de salto baixo, pois já era alta o suficiente. Da fina cintura, caía os babados negros da saia do vestido, que cobria-lhe até os tornozelos. Bastava olhá-la e sabia-se sem sombra de dúvidas que ela viera da vila dos bruxos ao noroeste de Lubrín, uma dama da noite.
O toque principal era de Helena, que fizera-lhe a maquiagem toda com pó-da-beleza, batom-do-sorriso-perfeito, sombras-que-provocam-olhares, e um segredinho, no brilho em torno da pele com um pó brilhante que ela mesma fizera.
- Romera... Como você está linda! – dissera Helena girando-a pela mão, a saia do vestido rodando.
Romera abrira um doce sorriso, inclinando o rosto, estava esplêndida.
- Obrigada! – dissera ela.

5

QUE EU ME lembre jamais existiu festa igual a essa e por esse motivo dentro de Lubrín, mesmo depois dessa história que conto a você ou qualquer outra que tenha vindo antes. Mas vamos nos juntar aos convidados dentro do palácio de vinho, não fique aí parado. Pegue uma taça, pois todos devem ter uma em mãos, como dizem os bons costumes, e venha se juntar aos lubrinos e cuidado para não dizer nenhuma besteira. E fique um pouco longe daquele canto ali, os bruxos estão por lá, e adoram uma conversa fiada.
Eis este lugar que ainda não apresentei tão detalhadamente. Creio que tudo o que você sabe é que existe uma grande estátua e uma fonte de vinho, exalando felicidade para toda a cidade. Mas estas coisas ficam bem no alto do palácio e no dia de hoje está coberta por precaução, por causa dos bruxos – coisa que apenas os lubrinos irão entender, eu acho. Porém, aqui embaixo é tudo muito lustroso.
Ao redor do palácio inteiro, circular, existe uma grande galeria, para pessoas sentarem e avistarem tudo por inteiro, o que acontece na parte de baixo, principalmente quando há alguma orquestra tocando, como era mais comum antigamente. Para sustentar a galeria, existem colunas sofisticadas, ornamentadas com vinhas de ouro e uvas de prata, com folhas de bronze. As janelas todas com cortinas duplas: à esquerda, sempre o sino em lembrança aos antigos tempos; à direita, os cachos de uva. O chão... olhe só esse chão, nos reflete por inteiro, é essa cor que não se sabe se é dourado ou se é vinho, como se houvesse muito vinho no chão – mais uma vez uma das façanhas de Sid, brincando com espelhos. A sorte é que os saiotes das damas tem forro ou são compridos demais. Por outro lado, o teto, é revestido com as vinhas e com cachos de sino, dos sinos, a luz para dar vida a tudo, coisa que Gustavo devia a Ventura, pela grande idéia de manter os costumes do antigo rei, o qual, ao ouvir histórias (que não se contam aqui, todas elas ao menos), ela deu muita credibilidade e honra. As paredes, abaixo do piso da galeria, eram decoradas por quadros de pessoas importantes, heróis de guerra, hilários bobos da corte que deram marco na história do castelo, até mesmo os ladrões e homens maus tinham crédito para tais quadros, reis que nem mesmo O Rei da Lubrín de Sinos chegara a ver, entre estátuas de armaduras, que não se sabia se eram guardas mesmo ou apenas as placas montadas. E muitas, muitas mesas no meio das pessoas, com guloseimas deliciosas para você e eu aproveitarmos. E por último, mas não menos importante, na parte norte do salão, isto é, de frente para a porta dupla de entrada, estava um acima de um degrau, um trono de pedra, ferro, ouro, prata, e lascas de cristal confortavelmente forrado para Gustavo sentar-se. É claro que em volta do trono tem uma cerca revestida e protegida por guardas portando lanças de longas hastes e escudos grandes de metal reforçado, no interior da cerca, Gustavo olhando para todos e se servindo constantemente de petiscos servidos pelos seus criados, em sua cabeça sua coroa resplandecia suavemente.
E aposto como você já não foi a uma festa recheada de pessoas de tudo quanto é tipo. Pois é. Em Lubrín não é diferente. Desde homens barrigudos que querem mais bebida, crianças correndo com brinquedos – que diga-se de passagem foram confeccionados por Sid-, mulheres velhas de rosto amargo e as moças lindas, ah as moças... Muito esperto fora o rei. Todas as moças estavam lá, todas dentro das regiões de Lubrín, onde as cartas chegaram. Ora, se o badalo não vem aos ouvidos, os ouvidos que vão ao badalo!, como se dizia antigamente. Então, se a profecia era mesmo verdade e Victorio junto ao corriqueiro Álvaro, o Baixo não viu coisa, ou a pedra não estiver gagá, Emily tem que estar dentre elas. Mas qual delas, Gustavo II se perguntava, dentre mais de mil garotas, seria Emily? Seu pai estava certo de que ela o encontraria, quem sabe, talvez, antes que ele a encontrasse.
Se observar bem, vai notar como ele está preocupado olhando para todos os lugares, mas não olhe muito, pode deixá-lo constrangido. Agora, vou deixá-lo só, pois há muito o que se fazer por aqui.
A festa estava muito cheia. Segundo Dário, que vigiava a porta havia quase quatro mil pessoas, as quais oitocentos e oitenta e oito eram homens, novecentos e setenta e cinco eram mulheres adultas, trezentos e sete eram crianças, quinhentos e quatorze rapazes e moças em casais na faixa de dezessete e vinte e seis anos, e mil e quarenta e sete moças, as quais uma era a Emily esperada.
              Você se pergunta, por que o rei não convidou apenas as Emilys de Lubrín para participar da festa, e as respostas são as seguintes. Primeiro, iria causar alarde demais, os bruxos saberiam de tudo e buscariam a resposta, fariam boatos que correriam para lá do alcance; e segundo, porque assim, a profecia não se cumpriria como deveria se cumprir uma profecia. E então nenhum nome foi assinado para entrar na festa, Gustavo I queria ver as coisas acontecerem.
               Já era a oitava vez que Romera parava na frente do trono de Gustavo e não era a primeira que ele a olhava com um sorriso no rosto. Quando ele fazia isso, ela abaixava a cabeça, como que se estivesse constrangida, olhando-o por baixo, abria um sorriso e saia, olhando-o de canto, então ele se ajeitava e ficava olhando-a partir. Até agora, nada de Emily e mal sabia ele o nome das moças.
             E eram tantas moças, que deixava-o perdido, ansioso e toda hora olhava para o pai, muito mais nervoso que ele mesmo, que fingia não estar olhando-o lá de cima da galeria, para ver se algo acontecia.
           - Já basta – dissera o rei, por tanta demora.
           - Espere mais um tempo, Gustavo! – disse-lhe ventura.
           - Não consigo mais. Meu filho vai ter sua rainha agora mesmo.
         - Devo fazerr ash honrrash, Gushtav? – perguntara Victorio, em seu sotaque ,muito parecido com o nosso francês, tirando sua longa madeixa negra no rosto, revelando seu belo rosto élfico, abrindo um sorriso.

6

A ALGAZARRA ERA geral pelo palácio, a conversa ultrapassava os limites, parecia a torcida de um jogo de futebol, tirando o fato de que os lubrinos não estavam torcendo, mas gargalhando, embriagando-se, falando cada vez mais alto, chegaria a ser insuportável ficar lá dentro por mais uma hora. Notando isso, Victório aproximou-se da beira da galeria e pigarreou. Mas é claro que ninguém o escutou. Tentou de novo e parece que surtiu efeito contrário, o barulho elevou-se. Ergueu as finas sobrancelhas negras, e tirou do bolso interior de seu robe verde ornado com linhas douradas um diapasão para afinar violino. Não questione caro leitor, os elfos sabem bem o que fazem, e podem nos surpreender sempre quando fazem as coisas que sabem. Então, pegou bem na ponta dos dedos e deu três batidinhas na tabua que protegia a galeria. No primeiro o som emergiu sonoramente no ouvido de todos, o segundo subseqüente vibrou os tímpanos de todos, dando um certo desconforto, e o terceiro finalmente fez todos se calarem e olhar para cima. Victório abriu um sorriso reverberante, guardando o diapasão e arrumando os lustrosos cabelos compridos para trás das costas, todos se silenciaram.
   Em seguida, naquele sotaque declarou a todos:
- Finalmente será revelado o verdadeiro motivo de todos estarem aqui – fez uma pausa para que a suspense se tornasse curiosidade.
Nem todos eles sabiam quem era aquele homem diferente que falava estranho lá em cima. Mas todos sabiam que seu nome era Victório e que ele era amigo de Gustavo. Ele usava e abusava de magia tanto quanto um bruxo o faria, mas seus métodos eram menos ou nada negros, por assim dizer, eram brilhantes, sem a presença de um morcego, corvo ou coisa parecida – excetuando a Gárgula que possuía, que já foi-lhe apresentada de uma maneira...extravagante. Muitos, sem o conhecê-lo tal como o conheciam, o tomariam por bruxo, e o achariam tão vil como um qualquer. Mas a verdade é que a magia já está no sangue élfico, ao contrário dos druidas e bruxos, que tinham que invocar a magia, ao invés de fazê-la soar naturalmente. Para os bruxos ele não passava de uma criatura mística, que veio das fadas, gnomos ou duendes, ou dos três, mas que por algum motivo tomara a forma de um homem, cujas orelhas eram pontiagudas e maiores que o normal, ultrapassando a camada de cabelo, e o rosto fino, de queixo quadrado e olhos mais penetrantes que a flecha diante da caça, e brilhantes como o sol na hora do crepúsculo; uma elfa, como Karina, sua rainha, possuía encantos mais surpreendentes que os dele, tão encantadora como uma ninfa, que se equilibra nua numa pedra em meio ao mar.
Todos piscaram na pausa que Victório fizeram para declarar a notícia que intrigava intimamente a todos, e que agora que ele mencionara o que todos gostariam de saber, fez com que essa coisinha pegasse fogo em cada um, estavam todos curiosos, como é comumente entre os lubrinos.
Victório pigarreou:
- Estamos aqui para celebrar a escolha da mais nova princesa e herdeira do trono de Lubrín... – novamente fez com que todos ficassem ainda mais curiosos, alguns desviaram o olhar para Gustavo II sentado ao trono e Victório completou:
- A Rainha Verdadeira.
Um vozerio começou no palácio, murmúrios, e conversas baixas. Helena ficou muito satisfeita por ter sido astuta em relação a sobrinha. Mal sabia ela o que ocorreria, mas algo lhe disse que era preciso deixá-la notável.
- Por isso... – continuou Victório, dando ênfase no seu sotaque, o que fez soar como um “porr iss”. – Peço que abram alas para que todas as moças solteiras nesse recinto possam vir até o rei, apresentar-se e declarar-se da maneira como desejar – disse ele estendendo os braços e como que por mágica, todos deram passos para trás, abrindo um corredor para que a cerimônia ocorresse.

7

ERAM MUITÍSSIMAS MOÇAS para se apresentarem diante do príncipe. Atrás de Victório Gustavo e Ventura estavam ansiosos e apreensivos, moça a moça foram até diante do trono para fazer uma reverência e dizer o nome.
Eis que algumas para surpreendê-lo dançaram uma valsa abraçada a ele, somente para ter o privilégio de tocá-lo, outras recitaram poesias improvisadas outras tomaram instrumentos emprestados e fizeram uma música mais bela que a outra na opinião de Gustavo.
Ele as tratava muitíssimo bem, como verdadeiras princesas. Sabia dançar e escutar cada uma delas, sempre sorrindo, beijando a mão e tentando achar a Emily perfeita dentro de cada uma delas, pois a profecia poderia se cumprir dessa forma também. O nome de batismo nada significava nessa ocasião.
Muitas, mas muitas moças se apresentaram e fizeram graça a Gustavo, mas aparentemente nenhuma delas era a prometida da profecia. Até que...
Até que Romera, que já havia sido notada por ele antes caminho delicadamente em meio ao corredor feito pelos lubrinos, o vestido deixando um rastro de perfume e uma sombra mágica atrás dela, seu andar era delicado, suas pernas não erravam o passo, estava um pouquinho mais alta, graças ao salto. Gustavo notara a beleza dela desde a primeira vez que ela aproximou-se do trono e olhou-o. Sua maquiagem chamara atenção dele, junto com os braços delicados como os de uma bailarina, que delineavam o movimento. Parecia que tudo nela era perfeito. Todos, é claro, notaram isso. O pai de Gustavo cerrou o punho, meditando consigo mesmo para que seu filho não escolhesse uma descendente de bruxa para o trono. Bastava selar esse fato, que se tornaria irreversível. Um beijo na boca. Bastava encostar lábio com lábio que teriam a mais nova herdeira do trono. O rei imaginou os dois selando o presságio e depois viu Lubrín em chamas, e os bruxos dominando cada metro quadrado das pessoas, e o reino de seu pai, da Lubrín de sinos, indo por água abaixo. Ventura passou a mão por seu queixo fazendo-o voltar a realidade:
- Acalme-se, Gustavo. Vai dar tudo certo. Está tudo bem – disse esboçando um sorriso sem muita confiança. Dentro dela também se passava algo ruim em relação à Romera, algo inexplicável. Pensando nisso, ela sentiu um gosto de uva estragada dentro da boca, ela tentou não se fazer notar pelo marido.
Os passos de Romera ecoavam pelo pátio. Por fim, ela chegou a ele e fizera uma demorada reverência sorrindo graciosamente. Aquela moça era linda, tinha os olhos mais lindos do mundo, seria ela, pensara ele, ela é a que carrega Emily dentro de si. Seria sua rainha.
Ela ergueu-se da reverência e estendeu o braço esquerdo a ele. Gustavo aproximou-se  dela e a tomou nos seus braços, dançaram lentamente, ela fazendo o seu corpo ser sentido por ele, o perfume no pescoço, cada pequeno detalhe sendo notado, uma chama de paixão se acendendo no príncipe.
“Já tenho minha prometida”, pensou.
Depois que terminaram, Gustavo a levou para cima do palco o qual estava seu trono.
Lá de cima Gustavo teria um acesso de choro em breve. Victório tentou-lhe acalmar.
- Deixa a profecia, meu caro Rei. A pedra não mente nunca. Deixe-a cumprir-se – murmurara em seu ouvido.
- Acho que já escolhi minha Rainha Verdadeira – disse Gustavo II a todos lá embaixo – ela é a garota mais encantadora, de sorriso mais belo e toque mais delicado que já vi e encontrei.
Dentre a multidão, os bruxos soltavam um sorriso de orelha a orelha, todos eles.
- Queiram, por favor – continuou Gustavo – aplaudir Romera, minha mais nova rainha, a prometida pela Rocha dos Reis.
Houve um salvo de palmas grandioso por todos os lubrinos, exceto por seu pai, mãe, Victório, Sid, o Bobo e outros que sabiam que alguma coisa estava errada.
- Gustavo só pode estar sob encanto fajuto. Não pode ser – soltou Victório. – Nada posso fazer, embora eu seja tentado, mas interromper uma profecia pode ser mais catastrófico do que permitir que ela se cumpra, mesmo que de maneira errada –disse mais a si mesmo do que para o Rei ao seu lado. Virou-se para ele e disse: -  Temos que ser calmos, rei.
Assim que as palmas cessaram, Gustavo dera a mão para Romera, e entrelaçara seus dedos nos dela, os dois estavam lado a lado diante de todos. A ala aberta por todos já não era mais necessária, então eles foram fechando-a, se acomodando para ver o importantíssimo momento em que os dois selariam tudo com um beijo na boca.
Todos prenderam a respiração.  Gustavo pousara a mão esquerda no queixo de Romera e fora aproximando sua boca na boca dela, estava prestes a fechar os olhos, a dois centímetros, quando viu algo que parou seu coração. Romera esperando o beijo já estava de olhos fechados, concisa de que receberia o beijo... Mas Gustavo parou. Afastou-se. Romera ficara confusa com aquilo.
- Algo de errado, meu rei? – disse ela, vendo que ele observava uma linda garotinha no meio de todos os lubrinos. Ela franziu o cenho com um ar de raiva e tentou puxá-lo – Beije-me! – disse ela.
- Não... – Gustavo parecia hipnotizado. – Não posso... – tinha a voz baixa, como que se algo maior o chamasse. Mais tarde, ele podia jurar que vira um anjo no meio de todos e aquela garotinha possuía asas e uma delicadeza inigualável.
- Qual é o problema? – falara Romera constrangida, diante de todos os moradores. – O que está acontecendo?
Não dando atenção para Romera, Gustavo apontou para a mocinha:
- Você!
Os bruxos perderam o sorriso no meio da multidão.
- Faça alguma coisa! – dissera Helena para um dos bruxos ao seu lado.
Gustavo I, Ventura, Victório, o Bobo, Sid e outros comemoraram internamente que o príncipe tivesse interrompido aquilo.
- A profecia está se cumprindo! – dissera Victório.
A menininha, confusa, olhando tudo aquilo focara os olhos em Gustavo.
Ele a chamou com as mãos.
- Suba.
- Mas que coisa é essa? – Romera indagara indignada.
A menininha passou pela multidão e foi até o príncipe. Era mais baixa que Gustavo e parecia uma garotinha diante da bruxa.
- Já pode descer – dissera Gustavo secamente para ela.
Emily fez menção em sair, mas Gustavo pegou em seu ombro.
- Não você, minha linda. Ela – e apontou para Romera.
- Não acredito! Não pode ser. Você está me trocando por ELA! Essa pirralha ignorante? Essa, essa, UVA PODRE!
Todos reagiram com essas duas palavras, era o pior palavrão que se poderia referir a alguém.
- Afinal – Romera virou-se para a garotinha num tom alto e brusco. – Quem você pensa que é?
- Basta! – ordenou Gustavo alto, num tom de Rei que impressionou a todos, inclusive seu próprio pai na galeria. – Guardas! Tirem-na daqui!
Dois guardas subiram o palco e a tomaram pelos braços.
Os bruxos vaiavam do fundo do palácio.
- Isso é uma afronta! – um deles soltou.
- Garota! – dissera Romera presa nos braços dos guardas. – Guarde minhas palavras: vai se arrepender por roubar meu rei de mim! – e virou-se para Gustavo. – Você será meu amor! E sentar-me-ei no trono ao seu lado – disse num tom profético. Aparentemente seus olhos tornaram-se mais escuros.
- Tirem-na daqui – falou Gustavo.
O alarde era total pelo palácio, mas todos estavam em silêncio, menos os bruxos que consideraram aquilo uma verdadeira falta de respeito.
Depois de tudo isso, Gustavo sorriu para a garota. Garota essa que nunca vira mais linda ou mais branca, não portava adorno algum, ou qualquer maquiagem, apenas um vestidinho de algodão cor-de-rosa e exalava um cheiro magnífico. Ele pegou em sua mão.
Prontamente ela fizera-lhe uma reverencia.
Ele a trouxe para seus braços e dera-lhe direto um beijo em sua boca. A menina esbugalhara os olhos, mas depois acalmou-se retribuindo o beijo.
Nisso, todos estavam confusos com tudo que estava acontecendo, durante o beijo ninguém soltou barulho algum, um silêncio mortal tomou conta de cada coração, as luzes aparentemente ficaram mais brancas, demonstrando o brilho da pele da mocinha, que era mais branca que porcelana. De repente todos se deram conta do fato e uma saraivada de palmas soou do palácio, os sinos tocaram do lado de fora. Depois do beijo, Gustavo virou-se para todos com um sorriso.
- Acredito que ela não precisa nem proferir o nome dela, pois a profecia já nos deu-o. E não ficaria surpreso, lubrinos, meus queridos, que esta moça, que agora está selada ao meu lado, seja a Rainha Verdadeira, a proferida pela Rocha dos Reis e seu nome ser...
            - Emily – dissera ela num tom confuso.