_____________ Parte I _______________
o~~~~~~o~~~~~~~o~~~~~~~o~~~~~~o
ANTES
DE TUDO
╡CAPÍTULO UM╞
FESTA DE CASAMENTO
ERA
UMA VEZ um lugar que tudo tinha uma história. Eu sei que a maioria das coisas
normais ou anormais tem uma história, um conto e uma maneira hilária de se
contar, por exemplo, de como você conseguiu seu presente de aniversário, ou o porque
seu chaveiro tem cavalos desenhados ou porque que você prefere recostar-se
sobre uma confortada grama vislumbrando a lua no dia oito ou quinze ou vinte e
dois de abril ou de qualquer outro dia ou mês. Mas, neste lugar que as pessoas
nem mais ouvem falar, tem uma história para tudo. É claro que eu não vou contar
todas elas aqui, iria passar anos de minha vida para contar-lhe cada coisa. No
entanto, existe uma história muito especial que as pessoas precisam lembrar...
Espero que você tenha um estalo na mente e se recorde de alguma poesia, canção,
frase ou uma pequena história ao que eu revele o nome. Pois é meu caro, essa
história passa-se em Lubrín.
Caso você não se recorde, ou esse nome ainda
não tenha chegado a seus ouvidos, vou descrever aqui, que coisa mágica é esse lugar
e como ele tem tudo a ver com a história, mais ainda se chegarmos ao castelo de
vinho, sim, de vinho, e para isso também tenho uma história, eu já chego lá.
Lubrín era bem grande, isto é, sua região. Caso
subisse no centro da cidade, onde é localizada a torre mais alta da catedral do
sino e, se olhasse por cada janelinha de mosaico, onde sua visão chegasse, era
Lubrín, simples assim. O que estava atrás das colinas não era mais, porque não
se via nada além dela, então, onde sua visão alcançasse a partir desse centro,
seria Lubrín. Bem grande não? Eu disse. Porém antes do limite de onde você
enxergasse estava a cidade e suas casinhas bem postas, organizadas por bairros.
Cada casa com sua história também, principalmente na quarta leste, um casebre
que parecia um beco de tão estreito e pequeno. Quando passearmos para lá, eu
conto a história dessa casinha. Mas aproveitando que estamos na torre da
catedral, se olharmos na janela que mostra o sul, temos a visão maravilhosa do
castelo e podemos imaginar o que o herdeiro do trono está fazendo. Se fossem
oito horas da manhã, seria melhor não incomodá-lo, pois devia estar comendo as
guloseimas do café da manhã e isso queria dizer café, torrada, suco de laranja,
suco de mamão, pães com peito de peru assado e gelatina de framboesa ou
maracujá, mas como já são quase onze e meia, ele deve estar olhando os impostos
tamborilando os dedos na mesa e fazendo anotações. Vamos dar uma olhada.
Para chegarmos nos portões metálicos do
castelo, temos que passar da primeira sul até a oitava sul, contado do centro.
Ali naqueles bairros viviam pessoas ricas, todas em dia com os impostos – já
que estamos falando nele -, com dinheiro de sobra nos bancos e tendo um dia
maravilhoso recostados no espaldar fofo de seus sofás feitos à mão, lendo as
notícias ou livros antes de voltar ao trabalho, isto é, as que trabalhavam,
pois muitos daquela avenida, podemos chamá-la assim, herdaram coisas de seus
avós que ou tinham rebanhos ou participaram de alguma aventura no passado, ou
trabalharam sete dias por semana dezoito horas por dia, então, eles lá, ficaram
com a região sul, com uma vista bem agradável do quintal do castelo que
descrevo assim que passarmos do portão, se os arautos e o porteiro nos deixarem
passar.
Próximo ao castelo, cerca de quatro casas de
distância, casas realmente grandes, estava a estalagem Pote De Ouro, que não
tinha a melhor comida, mas era a mais divertida da cidade, embora fosse a mais
rica e de quartos mais luxuosos, por conta do jogo de bilhar que sempre os
ricos iam apostar suas moedas de ouro e a casa ganhava trinta por cento, e eram
apostas altas. Os quartos ficavam no segundo, terceiro, quarto e quinto
andares, cada uma com seu banheiro, lençóis impecáveis, armários embutidos,
todos os quartos de madeira maciça, polida de ofuscar os olhos e cintilar
estrelas quando a cortina fosse aberta no meio da noite.
Mas não vamos nos apegar a ela por enquanto,
pois sua história está reservada para bem mais adiante e talvez eu tenha que
relembrá-lo da estalagem quando for hora de voltar nela. Vamos voltar a
caminhar em direção ao castelo.
Depois que as casas acabavam, dava-se mais
duzentos metros para a rua que dava acesso ao portão dianteiro, e esta já era
bem mais sofisticada, ladeada por calçadas - ornamentadas com pedras não preciosas,
mas cintilantes - protegidas em suas margens por muros altos de rocha azulada.
No final da rua chegamos ao portão metálico, duplo, com grades de ferro no seu
superior, com hastes protegidas com lâminas pontiagudas. Dos lados esquerdo e
direito do portão no interior dos muros, havia em cada lado uma torre de
segurança com arqueiros no topo, para proteger alguma de invasão ou visita
indesejada. Espero que não levemos nenhuma flechada agora.
Primeiro, bate-se no portão com suas aldravas
de sino (e para isso também há uma história que vale a pena ser contada aqui,
mas esperemos pelo menos meia hora) que logo mais são trocadas por aldravas de
uva, para combinar com a decoração; e esperar sermos atendidos. O porteiro abre
a portinhola para ver quem nós somos e nos deixa entrar sem problemas, afinal
sou em quem está contando essa história.
No que o portão abre, céus, que visão bonita. Nos deparamos com várias trilhas com placas indicando os caminhos, mas como vamos ao salão real, vamos escolher a do meio e caminhar até o interior do castelo. Enquanto não chegamos, eu vou descrever o jardim como prometi agora pouco que o faria.
No que o portão abre, céus, que visão bonita. Nos deparamos com várias trilhas com placas indicando os caminhos, mas como vamos ao salão real, vamos escolher a do meio e caminhar até o interior do castelo. Enquanto não chegamos, eu vou descrever o jardim como prometi agora pouco que o faria.
Do lado esquerdo de quem entra pelo portão
dianteiro, se é levado até uns quiosques, com bancos e bem sombreados para
aqueles que quisessem descansar, mas sem exatamente dormir, e só vislumbrar
deles os lagos muito transparentes de dar até sede e vontade de nadar,
decorados com flores de diversas cores em seu contorno, entre margaridas, rosas
azuis, vermelhas e brancas, grandes e pequenas. Também um gramado plano enorme,
com várias árvores de copa larga, algumas macieiras também, onde haviam
cavalgadas ao ar livre ou jogos com bolas e onde eram feitas as festas de
aniversário quando havia uma. No contorno do castelo, naquele andar, havia uma
varanda cujo o chão era revestido por ladrilhos brancos e onde o andar superior
era sustentado por pilares cilíndricos.
Do lado direito havia um zoológico, os animais
eram bem felizes e bem tratados, alimentados e cuidados, mas é claro que não
havia todas as espécies, havia papagaios, macacos, ursos, tigres, coelhos e um
hipopótamo muito preguiçoso, havia também dentro do zoológico um playground com
gangorras, balanços, escorregadores e uma piscina pequena.
Mas agora que estamos de fronte a porta para
adentrarmos no castelo, vamos girar a maçaneta dourada e mergulhar pelo
corredor. Este era semi-iluminado por tochas e lustres de candelabros que desciam
por correntes do teto, bem ao alto. Dos lados haviam armaduras de placa
completas vestindo estátuas de pessoas importantes de outrora – cujas histórias
não entram aqui -, para também homenagear tais pessoas, haviam vários quadros
delas, e paisagens antigas de mais de quinhentos anos do mesmo castelo, enfim,
agora viramos à esquerda e pegamos uma escadaria que nos leva ao andar
superior.
A narrativa por enquanto não tem
protagonista, não sou um deles, se é que você quer saber, mas sou eu o
responsável por contar a história, mas vamos ao primeiro personagem que
finalmente aparece nessa história e acho que posso despedir-me de você, embora
eu esteja aqui o tempo todo, fazendo você pensar e imaginar nas muitas palavras
que ainda tenho a dizer, pegue uma bebida, vá com o livro de frente ao fogo se
estiver frio ou nalguma sombra embaixo de uma árvore ou deite em sua cama sob
as cobertas ou por cima delas, mas preste bastante atenção.
2
COMO
IMAGINAMOS O herdeiro do trono estava mesmo verificando os impostos de Lubrín,
mas ao invés de tamborilar os dedos, ele estava com o cotovelo apoiado na mesa
de madeira escura, a mão na bochecha e os olhos distantes além da janela
lembrando-se de como fazer tudo certo. Ele se vestia de maneira elegante, um
manto marrom felpudo aberto na frente, com um botão de chifre solto na altura
do pescoço, ia-lhe de ombros aos pés, não era algo muito quente, mas muito
confortável. Embaixo do manto, usava uma camiseta vermelha. Vestia também uma
calça preta presa com um cinto de couro cuja fivela era de prata. Depositada em
sua mesa, sua coroa de aço com lascas de jazidas com poucos ornamentos, na
verdade minimamente, com apenas uma obsidiana na altura da testa, cintilava
negra o raio do sol que se projetava pela janela invadindo a sala iluminando a
mesa. Ao lado da coroa estava uma xícara de café que já estava muito frio para
beber, pois ficou lá muito tempo, desde que se sentou para ler os documentos.
O herdeiro nunca esqueceu-se de nada que
seu pai O Rei da Lubrín de Sinos, lhe dissera. Gustavo como você pode chamar, o
príncipe, o herdeiro, escutava seu pai com tanta atenção e admiração que seria
capaz de declamar com cada vírgula exatamente tudo que seu pai lhe ditara e
ensinara à claridade do lustre em forma de sino. Mas depois que seu pai morrera
num combate, à flechadas, contra quatro saqueadores, Sid, o conselheiro e
também juiz da corte, passou a ensinar-lhe.
Sid era um homem velho, sempre por trás de uma
touca, aqueles olhos negros, que nunca envelheceram – ainda conservavam naquelas
órbitas um olhar de criança que Gustavo contemplava ao escutar suas histórias
nos dias de chuva. Gustavo era em seus dezesseis anos ensinado assim a ser rei
e, é claro, haviam aquelas aulas que qualquer criança tinha nas escolas, mas as
dele, antes da morte d’O Rei, eram particulares. Um tanto chatas. Ele
comemorava quando era dia de chuva, pois nesses dias as aulas eram
interrompidas e Sid lia-lhe histórias maravilhosas, mas as preferidas eram as
que vinham da cabeça do conselheiro, inventadas. Hoje em dia, ainda, quando uma
tempestade cai enfurecida do lado de fora, Gustavo pede-lhe histórias diante da
lareira e não perde a sensibilidade de quando pequeno, ainda se assustando
surpreso nas cenas intrigantes, perdendo noção completa de que há um salão à
sua volta e o crepitar do fogo, entrando num mundo desconhecido esquecendo-se
até mesmo de que é herdeiro!
Depois da morte d’O Rei, as responsabilidades
caíram em sua maioria nas mãos de Gustavo, então Sid passou de seu tutor para
conselheiro-mor, como já se era esperado e muitos anos depois dessa história
ele manteve-se nesse patamar. Numa daquelas histórias que não se conta aqui e
que provavelmente nem será eu que irei contar, Sid recusara o trono do reinado
que lhe era oferecido, pois dizia que seu lugar era ao lado de mãos dadas com o
rei e não encostado no espaldar de forro fofo do trono. Sid, como você já podem
perceber, tinha coração nobre e leal.
Como O Rei morrera no começo da juventude de
Gustavo, ainda em sua imaturidade, a princípio era Sid quem governava, mas a
todo o momento o herdeiro, aprendia tudo o que Sid lhe ensinara, como na
ocasião que Gustavo encontra-se agora, inclinado com o cotovelo na mesa,
lembrando-se de como cobrar os impostos. Foi mais ou menos assim que o
conselheiro-mor lhe ensinara:
Com um mapa nas mãos, Gustavo via Lubrín. No
mapa as casas eram vistas de cima e as regiões circuladas; no teto desenhado de
cada casa havia em número o valor do imposto e a data da cobrança.
- E aqui, por que essas interrogações? –
perguntou Gustavo apontando para um lugar pintado em vermelho.
- A quarta leste, vossa majestade, é o lugar em
que temos que ser compreensíveis. É a região mais pobre de nosso reino, nunca podemos
cobrar muito ali, pois podem-lhe faltar o pão na manhã seguinte, devemos sempre
pedir o que eles tem a nos oferecer.
- Hm, certo. Mas e quando nada têm eles a nos
oferecer, o que fazemos? – indagou Gustavo com o dedo no queixo,
interessadíssimo.
- Se não nos podem oferecer dinheiro, vossa
majestade, pedimos a eles qualquer serviço ou ensinamento – disse Sid virando
os olhos do mapa na mão de Gustavo, para os olhos dele, erguendo as
sobrancelhas. - As pessoas têm sempre algo para nos oferecer. Quando nos damos
com pobres e ignorantes, doamos um livro para enfim, podermos cobrar-lhes ao
menos uma história na próxima visita enquanto tomamos café da tarde ou da
manhã. Mas em Lubrín nos tempos de hoje, todo camponês tem algo a nos oferecer
– respondeu-lhe fitando nos olhos o rei, que como sempre lhe dera muita
atenção. Depois voltou-se para o mapa explicando-lhe o resto.
Lembrando-se de tudo, Gustavo piscou e se
endireitou na cadeira, pegando uma pena, molhando em tinta preta e começou a
escrever os relatórios, conferindo cada detalhe com sua assinatura fina.
A data de cobrança era importantíssima, mas
tornou-se ainda mais (e um tanto mais interessante), quando os moradores
daquele casebre que citei, na quarta leste, na casinha que parecia um beco de
tão estreita, não puderam pagar o imposto depois que Gustavo enviara o
relatório recém feito ao cobrador. Mas como o conselheiro-mor explicara-lhe
ceifado por sua touca, os moradores de Lubrín têm sempre algo a oferecer e,
dessa vez, o que foi oferecido, foi um copo errado de vinho ao Dário, o
cocheiro-cobrador.
Mas antes de falar sobre isso, já é meio-dia e
os sinos da catedral tocam alto, se espalhando por toda a região onde se vê e
eu tenho algo a contar-lhe sobre esse ressoar fabuloso do badalar do sino, é
uma história, se não a mais importante, uma das mais; e explica por que as
aldravas no momento em que entramos eram de sinos ou por que, se você notou, O
Rei era chamado O Rei da Lubrín de Sinos, e por que este objeto esteve presente
por aqui em grande parte.
3
AS
PESSOAS DE Lubrín amavam o meio-dia assim como nós amamos a sexta-feira depois
de um longo dia de estudo e trabalho, porque era hora de descanso de todos e
também por causa de um antigo truque deixado pelo Rei da Lubrín de Sinos,
aquela antiga cidade – porém a mesma - que lhe disse agora a pouco.
Assim que se ressoa o badalar, o som alcança cada casa da
cidade, começando da torre do sino, o ponto mais alto, o mais antigo, quem
sabe, na catedral, expandindo até os muros que corriam o perímetro da cidade;
aquele que estivesse do lado de fora, não ouviria jamais. E O Rei, que era
muito esperto, ele mesmo inventara uma magia com a ajuda de seu bobo da corte -
Bobo era seu nome -, para que assim que reboasse o som do sino, uma alegria era
despertada naqueles que o ouvissem. Não é preciso ser um gênio para saber o
porquê que uma alegria era despertada nas pessoas, pelo menos não quando a
magia existia, mas,
Para
todo aquele que o som do sino tocasse seu ouvido,
Uma alegria viria comigo, uma memória de um amigo
Altas risadas com o cachimbo no alto da colina,
Uma alegria viria comigo, uma memória de um amigo
Altas risadas com o cachimbo no alto da colina,
Menos
uma hora do dia, uma a mais de cantoria
Foi essa a estrofe, que o Bobo e O Rei usaram
para a mágica no sino e a partir desse dia, todos sorriam no momento que o sino
tocasse.
Como você está comigo na cidade vou
deixar você escutar. Só não peço para que feche os olhos agora, para que possa
continuar lendo, mas procure escutar, pois esse som é importantíssimo, tão importante
que ele existe até hoje. Escute-o de maneira harmoniosa, faça vibrar em sua
cabeça inteligente, guarde-o em sua memória.
Baaaaammmmm
Isso! Prolongue-o. Você consegue escutar de
verdade em sua cabeça os sinos que badalam meio dia em Lubrín? Se sim, pois
bem, posso continuar a história.
Desde que o sino começou a trazer alegria para
as pessoas a cada hora, a cidade passou a prosperar muito, pois o cansaço logo
era substituído por uma inspiração. Era a maneira de O Rei dizer “muito
obrigado” àqueles todos que moravam em Lubrín. Então, tudo passou a crescer
demasiadamente, desde o trigo dos fazendeiros que moravam no centro-oeste, até
a floricultura que ficava no norte. E as mulheres passaram a receber mais
flores também, mas é claro que como surpresa; as crianças aprendiam mais com
brincadeiras, deu-se o fim na choradeira de madrugada e ninguém de Lubrín tinha
um mal dia. Bom, com algumas exceções que vieram depois, algumas pessoas que
não ficaram tão contentes assim, algumas pessoas que entram um tempo depois
nessa história - pois como eu já disse e volto a dizer e não pela última vez:
para tudo nesse lugar, há uma história – e para essa, há um espaço mais
adiante.
Essa foi a melhor maneira de O Rei governar, e
deixar sua memória. E Lubrín teve seu nome de Lubrín de Sinos e tudo era sino
pela cidade. Aldravas tinham o formato de sino, na mesa de jantar, pendurado na
parede havia um sino, o abajur era em formato de sino, o sorveteiro substituiu
a buzina por sino e comerciantes vendiam sinos com vários efeitos mágicos, que
não eram de verdade, é claro, mas as pessoas tinham em suas casas mesmo assim.
Assim que O Rei morreu pelos arqueiros quando
fazia uma de suas aventuras para o norte, Sid resolveu deixar as coisas como estavam
em memória dele e como uma demonstração de respeito, até que o herdeiro tivesse
sabedoria o suficiente para mudar isso, se precisasse.
Agora que é meio-dia na atual Lubrín e já
viemos muito no passado e não podemos perder o último badalar, pois junto a
Gustavo, há mais coisas que acontecem que não posso perder a hora de contar. Já
é o momento de voltar para o presente, eu diria. E se bem me lembro, deixei
assuntos pendentes com você, algo a respeito do imposto e de um copo errado –
calma... Isso já vai fazer algum sentido.
Com o último toque do meio-dia, após escrever a
última linha nos documentos, Gustavo olhou de seu quarto para seu povo pelo
retângulo iluminado de sua janela e, muito ciente do badalar, ele teve a
lembrança de seu pai e sorrira, inspirando-se reinar bem. Levantou-se da mesa e
sentiu alguma coisa perpassar seu corpo, como que se houvesse algo ou alguém,
talvez as duas coisas lhe esperando. Era jovem, porém ao seu lado no trono não
havia ninguém. O herdeiro ainda não era rei, tampouco havia se apaixonado. Não
pelo menos até o dia da cobrança de impostos na quarta-leste, que o que vou
contar daqui a pouco.
Mas, você sabe: é meio-dia, hora de descanso
aqui em Lubrín. Comer, dar risadas, beber uma cerveja antes de voltar para o
trabalho, espreguiçar-se, bocejar uma ou três vezes, abraçar a namorada, tomar
um sorvete. Então, logo mais eu volto para contar todo o resto que você precisa
saber.
4
PRONTO.
TUDO FEITO. Estou feliz depois desse breve descanso, pronto para continuar contando.
Cá entre nós o vinho embora varie o gosto de
cada um, é a bebida mais tomada. Ninguém recusa um bom vinho servido à taça de
cristal numa festa de gala dos Barões e Baronesas no noroeste; ninguém recusa
um vinho no aniversário do taverneiro; ninguém recusa um vinho nas tardes de
neve ao pé da lareira; ninguém recusa um vinho por mais que esteja atrás das
grades; o músico em seu intervalo no concerto da orquestra não recusa um bom
vinho.
O vinho por si só é a bebida mais agradável e
conveniente. E a família Daco entendia isso muito bem. A menor casa da rua
estreita na quarta leste era conhecida pelo quiosquezinho cujo, em época de
safra, pendia, graças aos deuses, cachos e cachos de uva. E logo, a família
Daco sem saber o que fazer com tanta uva, começara a produzir seu próprio
vinho. A adega de madeira dentro do casebre comportava apenas dois barris de
vinho, o que já era mais que o suficiente, pois, mesmo que fosse grande a
quantidade de uva, era suplantado apenas um barril e a sobra ia para os copos,
e a própria família bebia. Aquele único barril era a maneira da família
sobreviver, para comprar comida, roupas para a caçula que crescia sem parar, e
finalmente o pagamento de impostos. Tudo era feito com o dinheiro que o
taverneiro da quarta-leste com seu boteco lhes pagava. Era um bom vinho.
Era um bom vinho, mas não era sempre que trazia
bons lucros e foi exatamente isso que fez com que Ventura Daco, filha do senhor
e senhora Daco, se tornasse rainha, olhe só. Espantoso, não? Eu devia ser mais
cauteloso para falar sobre isso, mas não, melhor você saber desde já o que lhe
espera mais a frente, pois as verdadeiras surpresas ainda estão por vir.
Duas semanas depois que Gustavo escrevera os
documentos da cobrança de impostos e entregara a Dário, o cocheiro cobrador,
chegou o dia de cobrá-los na quarta-leste.
Balançando em sua carroça, Dário caminhava pela
área leste guiando seus cavalos cujos emblemas – bordados de sinos – caiam por
sobre as costas. Todos da cidade conheciam Dário, é claro. Alguns o odiavam e
achavam seu trabalho desnecessário, mas ele não ligava, vivia cantarolando
baixinho sem dar ouvidos aos cochichos e aos xingamentos que lhe faziam quando
passava. Era um bom homem e fazia o trabalho para sobreviver. Não fosse
esperto, não saberia que tudo aquilo que os outros moradores diziam era apenas
inveja de seu trabalho, mas que se os outros exercessem-no não teriam a
paciência e humildade que havia em Dário.
Depois de passar pela terceira leste, Dário
pegou o pergaminho respectivo do casebre cinqüenta e um ao seu lado, junto a um
monte enorme de pergaminhos e desceu da carroça. Passar ali era quase
impossível à carroça. Mas não pense que é porque estamos falando de uma região
pobrezinha da cidade que ela terá um aspecto sujo. Não, isso jamais. Como Sid
vivia dizendo para Gustavo, todos tem algo a oferecer, e o que um Lubríno não
admitia é que houvesse lixo em sua calçada ou rua. Portanto era tudo limpo,
impecável, sujeira era para os porcos e olhe que até os porcos dos lubrinos
eram bem limpinhos.
Caminhando pela rua estreita, Dário
cumprimentou puxando a aba de sua boina, um velho barrigudo, careca que lhe
erguera o braço. A casa cinqüenta e um dava para a calçada somente uma porta de
um metro e meio por dois. Dário bateu na porta três vezes e esperou. Do lado de
dentro voltou um “já vai” de alguma mulher e um instante depois, uma menininha
abrira a porta, olhando exageradamente para cima esticando o pescoço todo.
- Olá, mocinha. Sua mãe está? Posso entrar?
Está tudo bem com você? – A voz de Dário era agradável como a do Papai Noel,
consegue imaginar? Bem, é a voz de um velho simpático, eu diria.
A garotinha voltou correndo pelo corredorzinho
gritando por sua mãe. Logo em seguida, com uma colher molhada na mão, sua mãe
fora para o lado de fora recebê-lo. Seu rosto, percebeu Dário, era de lamento e
um tanto preocupado.
-Com licença – disse Dário entrando crispando a
boca. Percorreu o corredor e entrou na porta a esquerda já sentindo o cheiro de
vinho, uma fermentação bem forte.
- Boa tarde, família Daco da quarta-leste
número cinqüenta e um. Vim-lhes prestigiosamente cobrar-lhes o imposto no valor
de trinta e cinco peças de cobre, que será usado para o benefício de todos sem
exceção pelo herdeiro sob o trono.
A mãe Daco olhou para seu marido, que estava
atrás ainda sem se pronunciar.
-Boa tarde, Sr. Dário, cocheiro cobrador –
disse o pai Daco dando um passo a frente. – Sinto que não temos dinheiro –
falou ele abrindo os braços, explicando. - Mas prometemos que pagamos no mês
que vem... Ou então, podemos... -
disse ele olhando para a garotinha e depois para Ventura, sua filha mais velha
que aparecera toda suja de vinho, o avental e os pés manchados e com um copo na
mão, pela por uma porta que estava aberta atrás deles. – Podemos pagar com vinho!
– completou indo em direção a ela, pegando o copo.
-Papai... – Ventura tentou dizer.
Ele a fitou com censura franzindo as
sobrancelhas.
-... O vinho ainda não está pronto – ela
murmurara baixinho para si mesma.
O copo já estava na mão do cobrador de
impostos, que, com o cenho franzido bebia o vinho – que não estava pronto ainda
– tornando o copo em grandes coles, depois degustando no paladar o gosto do
vinho, procurando ter certeza, iluminando seu rosto.
- Isso, isso é fantástico – dissera ele. –
Tenho que mostrar pra o herdeiro!
O pai ria por dentro. O vinho era fantástico.
- Está bem. O vinho será objeto de cobrança
dessa vez. Mas nossa! Que vinho magnífico! – dissera Dário. – Mas, bem... tenho
que ir-me, avisar o herdeiro desse fato. Me acompanha até o lado de fora?
- Claro! – dissera o pai Daco, acompanhando
Dário até o lado de fora. – Não sabe como fico imensamente agradecido. – A
família seguia os dois.
Eles chegaram até onde estava a carroça.
- A dívida ainda não está paga, família Daco
– disse Dário, subindo, ajeitando as rédeas do cavalo. – Levem o vinho ao
castelo – falou distanciando-se -, o herdeiro os espera.
Se você prestou atenção nisso tudo, não
precisa – mais uma vez – ser um gênio para descobrir, de como o príncipe,
apaixonara-se por Ventura e mudara por completo o destino de todos. Mas de qualquer
forma deixa-me explicar. Foi assim:
Na manhã seguinte, a família Daco,
vestidos com suas melhores roupas. As mulheres de vestido orlado com renda,
porém amarelecidas pelo tempo, e o pai com uma cartola que ficara empoeirada no
topo da estante, para as crianças não mexerem.
- Pertencia ao seu avô, Ventura – disse
ele limpando-a cheio de orgulho antes de sair de casa.
Eles estavam diante do herdeiro. Havia na
mão do pai Daco, uma cuia rústica de madeira, os quatro faziam reverência no pé
da escada para subir ao trono. A luz do palácio refletindo o líquido dentro da
cuia.
A princípio, seus olhos paralisaram em
Ventura. Gustavo mantinha-se sentado observando a reverência, ao seu lado Dário
de mãos para trás sem boina, revelando seus cabelos até a altura do pescoço.
- Majestade... – tentou falar o cobrador,
mas o príncipe erguera a mão e ele calou-se.
Os Daco ergueram-se e o pai tomou a
frente.
- Alteza... – hesitou um instante
tentando recordar-se como ser cordial, puxando de olhos fechados os livros
lidos. “Pobres sim, ignorantes nunca!” O príncipe ergueu as sobrancelhas.
O pai abriu os olhos e prosseguiu.
- Viemos de nossa humilde casa na
quarta-leste mostrar-te o vinho e pagar nossas dívidas, com ele se possível.
Não é muito, sabemos, mas é o que temos.
- Traga-me, camponês da quarta-leste, tua
bebida e irei julgá-la.
Enquanto seu pai subia a escada, Ventura
puxou o saiote de sua mãe e lhe murmurara:
- Este é o vinho certo, mamãe. Veja, o
qual eu fiz ontem... – disse mostrando uma taça.
- Fique quieta, deixe seu pai mostrar o
vinho ao príncipe - resmungara rispidamente, quase inaudível.
- É muito bom – disse o príncipe lá do
trono – um vinho normal, muito bom. Com quantos pretende pagar?
O pai fechara o rosto tristemente.
- Não temos tanto...
- Eu tenho outro vinho aqui, príncipe –
interrompeu histericamente Ventura, correndo até o trono, seu pai a olhava com
espanto e o príncipe aborrecido com os maus modos. Porém, ao que chegou ao lado
de Gustavo, este foi saciado pelo odor que havia tomado a lisa pele de Ventura,
do vinho, de tanto que ela o fazia, era simplesmente o cheiro mais delicioso de
vinho que se lembrava já ter sentido, o perfume que mais tarde preenchia cada
casa de Lubrín, quando tornou-se rainha. O príncipe sem sequer provar o vinho,
apenas sentindo o cheiro perdoara a dívida.
Uma taça de bronze estava quase no nariz
de Gustavo e ele recompôs e bebericou do vinho. O semblante do príncipe ou não,
camponês ou não, humano ou não, iluminou-se de imediato trazendo junto a
sensação de paixão pela filha dos Daco, com lindas lembranças passadas até
agora, ele tornou a taça.
- Não só perdôo-lhes a dívida, como peço
a mão de vossa filha, ao senhor, pai Daco.
Do rosto triste do pai, nascera uma
jovialidade incomparável, ele virou-se para a mãe e ela também sorria, a
irmãzinha chupava o indicador, sem entender direito o que acontecia.
- Nunca bebi em minha vida melhor vinho –
disse levantando-se virou para
Ventura, seu manto felpudo de cores ornadas e guizos chacoalharam e ele buscou
a mão dela.
Foi assim que tudo modificou-se para os
Daco e Ventura que, com seu próprio vinho, tornara-se rainha. E a família
ganhou uma casa grande na cidade, mudando a vida de todos, na verdade, afinal
de contas, porque por magia, o vinho tornou-se símbolo do castelo como lhes
disse lá no começo, o castelo de vinho, lembra-se? Mas ainda há mais para
contar. A história não acaba aqui. Não ouso mencionar o “felizes para sempre”,
porque ainda há muita história para se contar e tudo aconteceu muito rápido.
Mas arrume-se para uma festa de casamento, é o que conto a seguir. Com o
herdeiro apaixonando-se e casando-se, ele se torna rei ao lado de Ventura, a
nova rainha. Porém não é desta Rainha de Lubrín que quero contar, temos que
esperar ainda alguns anos se passarem para que você entenda tudo o que
aconteceu nesse lugar onde tudo tem uma história.
5
NÃO
FOI DE imediato que Gustavo casara-se com Ventura, como você pode ter
imaginado. Os preparativos duraram quase oito meses. Gustavo escrevia convites
para muitas pessoas de dentro e fora de Lubrín, e também organizava a segurança
da hora da cerimônia. Sid, por outro lado o aconselhava, mas não interrompia em
nada. Estava muito feliz pelo herdeiro. Finalmente achara sua rainha e iria
tornar-se rei! E Lubrín iria voltar aos eixos para seu alívio. Ele não dissera
nada a Gustavo para não preocupar-lhe nem pressioná-lo a achar uma rainha, mas
havia diversos problemas diplomáticos por conta da herança do trono. No entanto,
tudo foi solucionado, bem em cima da hora.
As bordadeiras da primeira-sudeste tinham
pilhas de tecido até a testa para orlar. As costureiras da segunda-sul faziam o
vestido de Ventura. Havia mais de dez costureiras trabalhando nele. Os
ferreiros do castelo faziam sua coroa, que provavelmente era o elemento mais
importante do casamento, pois não há rainha sem sua coroa. Não em Lubrín pelo
menos.
Um ponto crucial numa cerimônia de casamento,
não importa se é real ou não, plebeu ou não, são os sapatos do marido. Estes devem
ter um couro fabuloso, e não pode ter muito brilho. Deve ser fosco e limpo, sem
marcas de dobras na região dos dedos. Barulho, então, nem se fala. Isso seria
deselegante. Os sapatos têm que ser firmes e sem “nheck” ao caminhar com eles.
O marido deve andar alvo como um leão. Tropeçar significa azar no casamento e
filhos que trarão problemas para a família. Então, vocês podem imaginar como
deve ter sido trabalhoso fazer os sapatos de Gustavo, sendo ele o herdeiro de
Lubrín.
Os boticários tentaram fazer perfumes para
Ventura, no entanto, Gustavo dispensou o trabalho, pois o cheiro de vinho era
apaixonante. Era feminino e delicado, levemente doce, parecia que era um odor
próprio da futura rainha.
Antes que o tempo passe, para que não cheguemos
atrasados no casamento eu tenho que lhes dizer uma coisa para que você não se
espante ao ver o casamento. Provavelmente nada é como você ousa imaginar. É
claro que vou deixar a surpresa para a hora certa, mas tem um detalhe que
preciso explicar.
Antes do casamento é proibido o futuro rei
beijar a rainha, se é que eles querem um casamento. O beijo sela tudo. Se o
príncipe beijar alguém em público, significa que ele já tem sua pretendente e
isso é imutável. Abandonar a moça depois de beijá-la, traria sérios problemas
futuros para o reinado. Provavelmente o conselho destronaria ambos, seria um
caos para tudo. Está na legislação do conselho dos tronos e só um conselho com
todos os outros reinos é que mudaria esse fato. Em Lubrín funciona assim. Bom, é
isso que você precisa saber, além dos sapatos e além da coroa.
Havia uma conversadeira extrema dentro da
catedral do sino no centro da cidade, que por sinal estava muito bem decorado:
Sobre as janelas de mosaicos havia cortinas que desciam do alto teto até o
chão, compridas e vermelhas, com sinos dourados em seu meio. Diversos lustres
em forma de sino iluminavam todo o ambiente. Nas paredes, tochas com chamas
verdes, vermelhas, azuis e amarelas faziam o ambiente ficar completamente
agradável e esquentava o frio do inverno que estava por vir. Todos os convidados postos em seus lugares,
sentados nas galerias ao alto, em seus bancos, em suas poltronas próximas ao
altar para os mais íntimos, isto é, Sid, e a família de Ventura. Todos
conversavam, era muito comum altas risadas antes do casamento e muitas fofocas.
Alguns convidados ficaram surpresos da futura rainha ser da quarta-leste.
- Daco? Não sei o que Gustavo viu nela – diziam
alguns. – Ela não tem nada de especial e nem faz parte de nenhum baronato ou condado.
Ela morava na quarta-leste, pelo que sei.
- Ouvi falar que eles embriagaram o príncipe.
Eles não fazem vinho?
- Não seja tola, mulher. O rei jamais cairia
numa coisa dessas!
- Ela não é linda? Eu quero um perfume igual ao
dela- falavam as mocinhas.
Diferente do que você está acostumado, a
esposa não chega de carroça e entra pelo meio, onde todos abririam alas, e vai
até o altar. Em Lubrín acontece de outro modo.
Os sinos das dez da noite badalaram e
todos se calaram e ficaram de pé, pois era a hora marcada de tudo começar. Um
silêncio apaziguador, repentino, cortado por algumas tosses tomou conta de
Lubrín. Todos os lustres apagaram e uma penumbra tomou conta do lugar, as
tochas bruxuleavam ainda nas paredes altas chamas coloridas. Ventura entrou
pelo lado esquerdo no altar diante de todos, caminhando solenemente, delicada
como uma brisa. A saia de seu vestido era longa e azul claro, ornando com seu
vestido de detalhes prateados e outros tons de azul mais escuro. O corpo era
delineado perfeitamente por ele, marcando seu corpo jovem e perfeito à sua
maneira. Ao invés de música como você pode estar sentindo falta, era o silêncio
puro. Porém ao que ela pisou no primeiro degrau da escada, uma poesia, ou ao
menos assim parecia, num idioma ininteligível, ecoou pelas paredes da catedral,
sem origem, era algo mágico e agradável como a água que faz queda lentamente
por dentre rochas num córrego sem forma passando agradavelmente no coração das
pessoas que viam-na indo até o centro.
Perla
passa vista, Ventura, mis nasvilla
Lubrín dorno vello, duanti dorpo
Lubrín dorno vello, duanti dorpo
Perla
passa vista, quarti nella
Gustavo,
porti di porti, misso torpo
Persá
missa duanti, Lubrín parti passa
Polormo
quarti missosvilenos
Gustavo
di Ventura
Derivella
cariremos
E assim, enquanto a poesia corria, com a mão
direita Ventura passava tilintando badalos de sinos, num tom agudo reverberante
como lágrimas que caem do céu, brilhantes, tocando o solo.
Do lado direito, Gustavo caminhava
furtivamente, tão alvo com um leão, como deveria ser, eles trocava olhares
conforme caminhavam. Os sinos do seu lado eram mais graves, como que um toque
de recolher e cada um sentia-se no conforto de abraço pela harmonia dos toques,
era algo reconfortante. Ele estava recoberto por uma capa de urso dos ombros até
o calcanhar. Sua roupa era também um azul, mas bem escuro tinha botões pretos.
Seus sapatos faziam-lhe ter a sensação de estar voando, impecável. Mas conforme
caminhava, por um segundo, ele dera um passo em falso, imperceptível, mas dera
e ele sabia disso.
No centro, os aguardando estava o
conselheiro-mor por baixo de sua touca branca que alguns julgavam vê-la brilhar
como o prateado da lua e cintilar como as estrelas, iluminando o local como a
noite do lado de fora da catedral do centro de Lubrín. À sua direita, em cima
de uma almofada, estava a coroa de Ventura que era alta, com decorações de
uvas, escolhidas por Gustavo e cada uva era uma pedra preciosa. À esquerda a
nova coroa de Gustavo com uma pedra de zircônia cúbica.
Eles se aproximaram e se deram as mãos, se
olhando nos olhos depois para todos. E soou um salve de palmas. Algumas
mulheres e homens choravam, e deixavam suas lágrimas caírem no chão. As palmas
pararam e o silêncio voltou. Sid olhou-os com aqueles olhos de criança e
sorrira. Primeiro, pegou a coroa de Gustavo, que numa reverência fora posta em
sua cabeça. Depois, de mesmo modo, coroou Ventura. Todos estavam os olhando.
Gustavo olhou para ela sorrindo e pegou-a nos braços e lhe dera um beijo, que o
tornava rei e a tornava rainha de Lubrín.
É
aqui que começa toda essa história. Embora você venha lendo de Gustavo e
Ventura até agora, nosso protagonista ainda nem nasceu e muitas coisas ainda
vão acontecer, nessa história, desse lugar onde tudo que conto aqui, já
aconteceu.